terça-feira, 7 de junho de 2011

As docas

Quase onze horas. No estabelecimento só restavam poucos marinheiros solitários, um cantor que passara a noite contando histórias que ouvira aqui e ali, Gregor, um bêbado qualquer dormindo no chão, Lys e Nina. Gregor era um homem peludo, semi-gordo, com pouco cabelo, mas compensava com seu bigode pontudo de quase dez centímetros para cada lado. Passava um ar de confiança, mas Lys ainda não conseguira confirmar. Limpava com um constante sorriso as canecas e taças da noite; parecia mesmo estar feliz, como alguém que acabara de ser promovido.
De tão distraída que estava, Lys nem chegou a ver Nina se movendo, ela simplesmente estava saindo pela porta da frente. Lys não sabia se deveria ficar brava ou fascinada pelo jeito que a mulher se comportava, mas sabia que não deveria estar fazendo o que estava: ficar parada olhando-a ir embora. Correu para a saída do bar.
Abrindo a porta, sentiu aquela sensação de quem acha que não vai encontrar ninguém, mas surpreendentemente lá estava ela, andando pelo cais em direção a um píer muito distante. Decidiu segui-la, estava demasiado curiosa para desistir à essa altura. Continuou andando por quase dois minutos antes de se pronunciar:
-Ei, espere!
Nina subitamente parou de andar e olhou para trás. Esperou que a moça a alcançasse para dizer:
-Não esperava que me seguisse, achei que era mais covarde.
-Eu era.
Nina, surpreendida, riu brevemente e continuou a andar. Olhou para trás novamente, para ver Lys imóvel. Acenou com a cabeça indicando que era para ela vir também. E as duas continuaram andando, com o vento frio soprando em sua direção. Só então Nina percebeu que não haviam sido apresentadas.
-Minhas sinceras desculpas, cara amiga, mas esqueci de meus modos. Me chamo Nina, Nina Halfbell. E você, minha querida?
-Elysabeth Cornwell, mas pode me chamar de...
-Lys - interrompeu a mais velha - já tive uma grande amiga com o mesmo nome em meus quinze anos. Ela acabou se mudando. Uma vez eu estava me escondendo de dois guardas dos quais eu havia roubado cinco libras. Bem feito para eles, ficam mostrando o dinheiro pra qualquer um e ainda querem que ninguém roube. Mas enfim, um deles estava quase chegando ao barril em que eu estava, quando ela gritou "seu guarda, olhe, olhe, é ela lá!" e apontou para uma multidão de pessoas. O guarda, vendo a postura e as roupas da menina se limitou a dizer "obrigado, milady" e correr em direção àquela confusão de pessoas. Olhei para o rosto da menina e ela para mim, e demos risadas. Rimos até quase os guardas perceberem que estavam indo na direção errada, aí corremos. Chegando em uma praça próxima sentamos no banco e conversamos. Conversamos por horas e horas tarde adentro. Quando estava começando a escurecer eu trouxe ela para cá, - e apontou um pequeno píer alguns metros à frente - sempre adorei esse pôr-do-sol. Não existe prédios na outra margem, nessa parte do rio, então não há nada que cubra a visão. Amanhã volte aqui à tarde cinco ou seis horas. Você vai ver, é simplesmente lindo. Mas, continuando, estava anoitecendo e ela disse que precisava ir embora, ou seus pais ficariam preocupados. Nem me lembro como é ter pais que cuidássem de mim - e então parou de andar. Um longo silêncio se seguiu.
-Nina, tudo bem? - por menos que parecesse (ou que quisesse) Lys ficava cada vez mais comovida por aquela mulher de cabelos escuros.
-Claro, minha querida, claro. - E continuou a andar - No dia depois àquele, voltei a este mesmo píer, na mesma hora, para ver se ela aparecia, mas nada. Tinha cabelos escuros, quase tanto quanto os meus, e costumava andar de branco. Sempre adorei aquele contraste. Voltei no dia seguinte, e no outro, e no outro. Finalmente, depois de três semanas ela apareceu. Implorou por perdão, e explicou que seus pais a tinham colocado de castigo por ter voltado tão tarde aquele dia. Pela culpa por ter levado-a a cometer aquilo, decidi não ficar nem um pouco brava com ela, até porque só o fato de ter ela ao meu lado novamente já me deixava feliz o suficiente. Desde então fomos melhores amigas. Claro que ela era rica e eu, pobre, mas tínhamos algo que eu nunca havia tido. Senti que nela, e somente nela, acima de tudo e de todos, eu podia confiar.
Chegaram ao fim do píer. Sentaram na borda e começaram novamente.
-Você disse que ela se mudou, certo?
-Sim, sim. Infelizmente depois de dois anos juntas a família Cornwell se mudou para Northampton e ela junto com eles. Quando veio se despedir, me senti como se parte de mim estivesse sendo arrancada. O jeito dela de se despedir foi o pior. Eu estava sentada aqui, como sempre, e de repente ouvi ruídos de madeira rangendo. Senti um súbito lampejo de felicidade, mas quando estava me levantando ouvi soluços. Me virei. A imagem na minha frente, aquela linda menina, chorando, com lágrimas escorrendo pelo rosto. Simplesmente comecei a chorar enquanto corria em sua direção. Nos abraçamos e ela explicou o que tinha acontecido e que iria se mudar. - Lys então percebeu um filete de brilho no rosto de Nina, uma lágrima, escorrendo - Quando ela se foi, minha vida ficou sem graça. Vinha aqui ver o pôr-do-sol, mas já não era tão belo. Ainda sonho no dia em que ela irá voltar.

Um comentário:

  1. Way cool!I loved it...keep on writing...you've got the ways for it...

    "Tia" Vivi

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